segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pelo mundo : As Cidades dos Mortos - Cairo

Emyle Caldeira
 
"O que me deixou intrigada com essa megalópole foi a aparente ausência de mendigos. Explicação: a estrutura familiar islâmica é forte e solidária. Um irmão que tem emprego sustenta outro, com sua família, que não esteja empregado. Doentes e velhos são automaticamente amparados por seus familiares, mesmo que esses sejam muito pobres, já que a previdência social do Estado não existe ou é ineficiente. Essa explicação pareceu-me cômoda demais para ser verdadeira. Ela também contradizia à prática dos pedidos de gorgeta (bakshish) nas ruas, praças e pontos de venda, nas entradas de museus, mesquitas ou lojas. Ao tirar uma foto de uma rua sobrepovoada em que funcionava uma feira, os donos de uma barraca e mesmo seus compradores, estendiam a mão pedindo gorgeta. Pobres ? Que los hay, hay ! Mas onde vivem ? Como sobrevivem? Uma das respostas é simples e chocante: nos cemitérios, “As cidades dos mortos”".
     Começamos assim com o depoimento da turista e Profa. Barbara Freitag-Rouanet.

     A falta de residências acessíveis leva 15 milhões de egípcios a viver em submoradias,
algumas tão insólitas quanto barcos de pesca no Nilo, barracos levantados sobre os tetos ou túmulos nos cemitérios. 
     A maioria é de migrantes. Abdil, por exemplo, era lavrador em Faiyum, a 90km do Cairo, a primeira área para agricultura do mundo. Como ocorre em todo êxodo rural, ele mudou para o Cairo em busca de vida melhor, mas foi na Cidade dos Mortos que encontrou trabalho e moradia.



     Essas metrópoles, arriscaria dizer,são cemitérios invadidos, há quase um século, por famílias pobres que se apropriam dos ricos mausoléus, outrora pertecentes a sultões e emires, e usam sepulturas mamelucas como módulos habitacionais pré-fabricados. Para entender melhor,as construções fúnebres testemunham a tradição egípcia de sepultar os mortos em moradias que permitissem a suas famílias passar com eles o luto de 40 dias.   

     Cerca de 50 mil vivem em túmulos propriamente ditos. Os demais se apertam em submoradias construídas sobre antigos sepulcros. Alguns puxaram fios do poste elétrico mais próximo ou desviaram canos de água. "O invasores adaptaram os túmulos com criatividade para atender às necessidades dos vivos. Cenotáfios e placas fúnebres são usados como escrivaninhas, cabeceiras, mesas e estantes." Conta Jeffrey Nedoroscik, pesquisador da American University do Cairo.
     Inclusive surgiram pequenas oficinas e lojas que suprem as necessidades de seus habitantes. A Cidade dos Mortos tornou-se uma ilha urbana murada, cercada de vias congestionadas.





     Mas essas necrópoles  metrópoles não escapam da politicagem, muitos pagam algumas libras aos guardiões do cemitério para que os deixem se instalar em seu recinto.
     Pelo que calculam os administradores da cidade, vivem mais de cinco milhões desses habitantes “invasores” distribuídos pelos grandes cemitérios, entre os quais o de Babel Nasar (ao norte), Babel Wazir (ao sul), o grande cemitério que leva o nome de “Cidade dos mortos” etc.
     Oficialmente, a situação desses moradores é irregular, as autoridades os toleram, mas não há assistências às famílias, como já foi dito, se viram à base do "gato". Como relatam estudos antropológicos feitos entre essas populações, elas convivem perfeitamente com os mortos, cujos túmulos são usados como endereços postais dos vivos.



     O governo já tentou projetos semelhantes ao "Minha casa, minha vida no Brasil", porém os habitantes teriam que pagar cerca de 260  pela assistência básica, água, luz etc e a maioria, mesmo conseguindo um emprego melhor, não receberia mais que míseros 150, ficando muito mais em conta pagar aos guardiões do cemitério. Os projetos fracassaram e a população não abandona o lugar, seja por falta de opção, raízes familiares, por apego ou por motivos que somente eles poderão responder.

     Este é um trailer de um documentário feito por Sérgio Tréfaut, mostrando um pouco da vida dessas pessoas, vale a pena conferir!


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