domingo, 28 de agosto de 2011

VILA VIVA : Romantizando a segregação social

Emyle Caldeira

    O Vila Viva é um programa da Prefeitura de Belo Horizonte de reassentamento dos moradores de algumas favelas da cidade. O Aglomerado da Serra, por exemplo, que abrange a área das seguintes vilas: vila Nossa Senhora da Conceição, vila Marcola, vila Santana do Cafezal, vila Novo São Lucas, vila Nossa Senhora de Fátima, vila Fazendinha, vila Nossa Senhora do Rosário e vila Nossa Senhora Aparecida, é a região que está sofrendo a intervenção do programa.

    O Aglomerado da Serra é a maior favela de Belo Horizonte com 80 mil habitantes (2011) e contará com as seguintes mudanças:


    Saneamento - De início, será implantado o sistema de saneamento básico, com interceptores a serem ligados aos serviços de esgotamento das comunidades. Somente após a instalação dos esgotos é que o abastecimento de água será regularizado, possibilitando o atendimento integral dos moradores, através da rede instalada pela concessionária Copasa.

    Será feita também a reforma do sistema viário, que permitirá o acesso de caminhões de lixo e a coleta porta a porta nas vielas, com os garis utilizando carrinhos de mão. Haverá também coleta seletiva e programas especiais para retirada de entulho e de grandes volumes.

    Meio ambiente – Serão feitas drenagens de águas pluviais e recuperação da cobertura vegetal nas margens dos córregos existentes na favela. Além disso, haverá desocupação das áreas do topo da Serra do Curral, para proteger as cabeceiras e as nascentes da bacia do Córrego Arrudas, com remoção dos moradores também em áreas ao longo do Córrego das Mangueiras e nas encostas a serem protegidas e reflorestadas.

    O projeto, que prevê regularização fundiária, com a titulação efetuada preferencialmente em nome da mulher, permitirá ainda o remanejamento de aproximadamente 3,2 mil famílias, que representam cerca de 24% dos moradores do Aglomerado da Serra. As novas habitações estarão localizadas em três conjuntos habitacionais construídos em outras áreas da própria favela – dois conjuntos na Vila Nossa Senhora de Fátima e o outro na Vila Aparecida.

(dados do site: http://www.bndes.gov.br - o banco BNDS é o financiador mor do projeto)

    Para completar, as famílias tem duas opções:
Mudarem-se para as novas habitações ou receberem uma indenização baseada na avaliação da moradia atual, que por vezes o valor é tão baixo que a família recebe o valor equivalente de um apartamento nos predinhos.

COMO É DIVULGADO O PROJETO:


E O QUE NÃO É DIVULGADO:


    Os grandes meios de comunicação, como vocês viram, romantizam a iniciativa e simplesmente ignoram as graves consequências para as comunidades e as famílias atingidas por esse programa de desfavelização forçada, impulsionada por interesses de cunho maior que a própria comunidade.

Questões para reflexão sobre o Vila Viva:

  • A escolha das favelas a receberem a intervenção. O Aglomerado da Serra está localizado na região centro-sul da cidade de Belo Horizonte, região de maior valorização de terreno, antes tido como capital morto, mas devido ao esgotamento de terrenos disponíveis, ganhou a atenção do capital imobiliário. O mesmo acontece com o Morro das Pedras e a Pedreira Prado Lopes;

  • Os próprios futuros moradores trabalham nas obras das habitações, os chamados mutirões, impedindo assim qualquer tipo de contestação, manifestação e obstáculos;
  • A reforma do sistema viário, como já mencionado, provoca instantaneamente a expulsão dos moradores da área “Apenas no Aglomerado da Serra serão afetadas mais de 50 mil pessoas. Já na Vila São José, regional Noroeste, serão removidas 8600 pessoas. Essa vila simplesmente deixará de existir. Das 5.113 famílias que moram no Aglomerado do Morro das Pedras, aproximadamente um terço, será removida.” Afetando todo o sistema e dinâmica da comunidade, influenciando diretamente no tópico seguinte;
  • Quebra das relações sociais de famílias inteiras já estabelecidas nas áreas, que de um dia para o outro perdem os vizinhos de anos de convivência, perdem locais que frequentavam, a dinâmica da vida cotidiana, agravando o abalo psicológico já instaurado pela sua expulsão;

        “As casas que serão atingidas são marcadas com números pintados nos muros com tinta spray vermelha, tal como os nazistas marcavam as casas dos judeus (vide fotos abaixo). Além disso, as casas são demolidas gradualmente, poucas por beco/rua, nunca todas de uma vez. Os entulhos permanecem nos lotes, agora vagos e sombrios. No processo de remoção, também é muito comum as primeiras casas atingidas serem parcialmente destruídas, apenas para não permitir que a mesma família, ou outra, reocupe o espaço (vide fotos abaixo). Mantendo as paredes erguidas, aquele espaço se torna ponto para a prática de crimes e delitos. Essa situação aprofunda o medo dos vizinhos que já não questionam o valor da indenização e nem colocam obstáculos a sua futura remoção.”
  • Como a ocupação das favelas é feita de forma informal, a indenização, para quem a prefere, leva em consideração apenas as condições da casa, do barraco, e não do lote. Assim é possível pagar um valor muito inferior do valor real, impedindo que a família compre outro imóvel na região. Em outras palavras, são forçadas a migrarem para as regões metropolitanas e cidades mais afastadas, perdendo a fonte de renda que tinham em Belo Horizonte, uma vez que os patrões não querem arcar com o transporte de pessoal;

  • Quem possui comércio na região é ainda mais afetado, perdem trabalho e moradia de uma vez só. Para começo de conversa, será difícil, senão impossível, manter a clientela fiel até então. Uma vez que eles também estão sendo remanejados dentro de uma lógica urbanística que ignora as reais dinâmicas da vida cotidiana. Para entender melhor, a indenização não cobre os lucros cessantes, que é aquele que o comerciante deixa de gerar com a demolição do seu estabelecimento;

        A professora Nilma Alves, 26 anos, é uma que terá prejuízos econômicos com a mudança: “A obra pode até ser legal, mas essa indenização pra mim não é legal. Eu trabalhava, eu perdi meu serviço porque a escola onde eu trabalhava não dá vale transporte. A gente não sabe o que vai fazer com a indenização, nem casa para comprar a gente achou. A casa que a gente tem por aqui, se for para comprar por aqui a gente não consegue com o valor que a gente recebeu. O pessoal todo subiu o valor das casas”, revela. Ela completa: “Eu não tenho vontade de morar nos prédios, aqui em casa tem área, tem espaço, tem três quartos, pra mim apartamento é sem espaço. Eu tenho um quintal, tenho uma loja, que estava alugada. Eu perdi uma fonte de renda, agora a loja esta parada porque nós vamos sair. Aí a gente não aluga mais. Aqui em casa todo mundo vai perder o emprego”, adianta.

  • Como já sabemos, a favela é uma forma de ocupação ilegal e por conseguinte, não possui um sistema legal de distribuição de água e luz. As pessoas suprem suas necessidades diárias fazendo ligações clandestinas desses recursos, os famosos “gatos”. Economizando essas despesas, ainda sobra pouco para que consigam comprar demais produtos necessários à sua subsistência. Mudando-se para os predinhos, a renda que continua a mesma, se a família não perder o emprego, agora é responsável também pelos gastos de água, luz e condomínio;

  • Em pouco tempo, a vida nas novas moradias, confortáveis e dignas como uma caixa de fósforo, será insustentável para a população da comunidade, que serão novamente forçados a vender o apartamento (R$22mil a R$32mil – claramente inviável comprar outro imóvel ou alugar em Belo Horizonte) e migrarem para regiões periféricas, retornando ao ciclo da perda de emprego pela distância;

  • Com a valorização da região, digo economicamente pela implantação dos predinhos, há também o aumento do custo de vida em toda a comunidade. O entorno valoriza e os salários não acompanham, levando novamente a desocupação forçada da favela para regiões periféricas, muito provavelmente provocando outras ocupações ilegais, novamente em regiões sem recursos de saneamento básico.




    O plano é simples:
    Constroem-se predinhos para maquiar a cidade; romantizam e propagam a iniciativa como solução para as favelas; expulsam a população dos casebres (ou diretamente para o interior ou para os predinhos); os que foram marginalizados, ótimo, já estão fora de campo; os que ficaram nos predinhos são taxados por água, luz, condomínio; logo estarão vendendo os apartamentos por preços baixíssimos; pouco dinheiro = migrar para região metropolitana ou interior; seguindo a linha dos fatos, logo toda a favela será transferida para longe dos olhos da cidade. Problema resolvido.


    UM POUCO DA DINÂMICA E CULTURA DAS FAVELAS:





3 comentários:

  1. Boa pergunta, anônimo. Os autores não fazem nenhum tipo de proposta ou reflexão sobre uma solução para um problema crítico. Os problemas que eles apontam certamente são reais, mas ignora-se os problemas existentes que levaram a essas propostas. Não existe como sanear a região e acabar com os riscos sem fazer remoções.

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  2. O Aglomerado da Serra mudou sim mais,nao mudou muito as guerras o Marcio Lacerda podia ajudar aqueles que estao precisando!!!

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